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sábado, 10 de dezembro de 2011

Da importância do Fado

“Perguntaste-me outro dia / Se eu sabia o que era o fado
Eu disse que não sabia / Tu ficaste admirado.”
(“Tudo isto é fado”)

A recente adopção do Fado como Património Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, vem chamar a atenção para a canção urbana de Lisboa, mas cultivada um pouco por todo o país.
Se os argentinos desprezassem o Tango, os espanhóis o Flamenco e os americanos o country ou o blues, talvez se compreendesse melhor porque motivo uma certa elite portuguesa sugere insistentemente a ideia de que o Fado seria um tipo de música menor.

Talvez esteja nos genes do ser português dizer mal do que somos e temos. Já o Eça se queixava do provincianismo luso que com uma mão desprezava a nossa cultura enquanto com a outra tecia loas aos costumes estrangeiros. Por algum motivo existe uma canção popular intitulada “Lisboa não sejas francesa”.

Ao longo da sua história quase sempre o Fado incomodou alguém. Uns porque receavam que as tabernas da Lisboa antiga se transformassem em coios de elementos subversivos contra o regime, pelo cantar das desgraças e da vida madrasta, outros porque achavam que esta canção urbana de recorte conformista, nunca educaria as massas para a revolução, sem saberem que estavam a reproduzir o pensamento de Salazar, segundo Christine Garnier, a jornalista francesa que o entrevistou (“Férias com Salazar”): «Os fados amolecem o carácter português, esvaziam a alma das suas energias e incitam à inacção». Outros ainda, porque pensam que o meio fadista corrompe a moral e os bons costumes. Mas todas as resistências têm um denominador comum: o medo da expressão livre dos sentimentos mais profundos do ser humano, que o Fado tão bem interpreta.

Hoje, porém, as reticências são de outra natureza. Independente dos gostos, há quem pense que o Fado não passa de um estilo menor, e nem mesmo vendo como se rendem europeus, japoneses e americanos a uma Mariza ou a um Carlos do Carmo – já para não falar no lendário sucesso da Amália – conseguem entender que a canção de Lisboa espelha profundamente a alma portuguesa. Ela está presente nos velhos do Restelo de Camões, no período de dominação filipina, no salazarismo, mas também no 25 de Abril de 1974.

O velho rei Salomão perguntava se acaso o leopardo podia mudar as suas malhas na pele. Assim também não podemos mudar a alma portuguesa.
Temos é que aprender o que fazer com aquilo que somos. Afinal, as emoções contam cada vez mais para um bom desempenho pessoal e social. É a ciência que o diz.

Fonte: Brissos Lino, O Setubalense, 9/12/11

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